Sou uma pessoa de sorte (texto 1)

Era um domingo. A noite já surgia pela janela. Meio sem querer, distraída, percebi que ele estava lá. O susto. O medo. A dúvida. Todos pairavam no ar.

Dois dias depois, a confirmação. Sim, ele existia. Outros dias depois e alguns exames, a confirmação. Ele era mal.

Em pleno Dia dos Namorados, recebi a notícia que estava com câncer de mama.

O susto. O medo. A dúvida. Todos voltavam. E, agora, para ficar.

Posso dizer que sou uma pessoa de sorte.

Deus colocou em meu caminho duas pessoas lindas. Meu marido. Meu médico. Dois incansáveis em cuidar de mim. Cada um no seu papel – e desempenhando muito bem.

Sim, sou uma pessoa de sorte.

Não estaria de pé e com a cabeça erguida para enfrentar esse monstro sem o amor e cuidado especial do meu marido, que tem sido incansável em me manter de pé, e da minha família. Amigos também são importantes nessa hora e já estão fazendo a sua parte. E muito bem, por sinal.

Para falar a verdade, o desafio será o espelho todos os dias. Precisarei de força que somente eu terei para enfrentar o susto, o medo, a dúvida.

Ainda não sei se encarar de frente e publicamente são os melhores caminhos, mas, certamente, ajudará. Ficar escondida não resolverá nada. Além disso, meu momento poderá  servir de exemplo a outras pessoas. Talvez essa seja a minha missão.

Pensei em desistir de tudo, mas logo mudei. Não devo e não posso parar. Nesse momento, muito mais por mim do que pelos outros. Não quero ninguém triste. Só eu posso chorar. O sorriso e a alegria de quem está perto de mim serão meus combustíveis.

Não maior que a doçura do meu pequeno Enzo. Ele me move. Me motiva. Me impulsiona. E ainda precisa da mamãe! E o Papai também.

É… sou uma pessoa de sorte…

Sorte porque já fiz a segunda aplicação de quimioterapia. Isso significa que um dia após o outro me afasto da doença e caminho para a cura. Até porque, não trabalho com outra possibilidade.

Os cabelos já caíram… mas estou rodeada de tantas pessoas boas que irradiam amor e carinho por mim que isso está cada vez mais ficando pra trás.

É, sou uma pessoa de sorte.

De lá pra cá, os sentimentos mudaram. Alguns passaram. Outros voltaram. Novos chegaram e continuarão chegando.

Mas, com tudo isso, sou uma pessoa de sorte.

Apenas agradeço por Deus ter me dado toda essa sorte.

 


Fernanda Rosito
Jornalista
Porto Alegre e Novo Hamburgo, RS