Perda de memória durante a quimioterapia
Muitos pacientes queixam-se de perda da memória e de dificuldade em adquirir novos conhecimentos durante o tratamento quimioterápico. O termo científico para esse problema é “chemobrain”, que significa um efeito da quimioterapia no sistema nervoso central, causando sintomas como esquecimento de fatos que ocorreram recentemente (às vezes, há poucos minutos, como “onde coloquei as chaves?”) e outras dificuldades na cognição.
A cognição é o processo de aquisição do conhecimento, o qual depende dos seguintes fatores: percepção, atenção, associação, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem. O mecanismo pelo qual o câncer e seu tratamento tem impacto na cognição ainda não foi completamente esclarecido. Alguns investigadores propõem que o tratamento do câncer pode mudar a trajetória do envelhecimento cognitivo normal, acelerando este processo. Os estudos neuropsicológicos são bem heterogêneos, mostrando disfunção cognitiva em 13-70% dos pacientes recebendo quimioterapia.
É provável que diversos mecanismos contribuam para o declínio cognitivo em pacientes com câncer, incluindo inflamação, efeitos neurotóxicos diretos dos tratamentos e danos a células do sistema nervoso central. Em uma revisão da literatura de pacientes com câncer de mama, estados fisiológicos como depressão e ansiedade, a presença de fadiga, o fato de estar na menopausa e a coexistência de outras doenças foram considerados importantes para que ocorresse piora na cognição destas pacientes. Fadiga crônica, depressão, e alteração no bem-estar funcional parecem ser preditores de piora na cognição durante a quimioterapia. Além disso, potenciais fatores moleculares podem predizer uma predisposição aumentada a dificuldades cognitivas. Embora ainda preliminar, o alelo da apolipoproteina E4 (APOE4, que tem papel no metabolismo de gordura e tem sido associada a aumento de risco para desenvolver doença de Alzheimer), e o genótipo da catecol-O-metiltransferase (COMT)-valina (envolvida na inativação de neurotransmissores como dopamina, adrenalina e noradrenalina) foram identificados como papel potencial no desenvolvimento de chemobrain.
Uma avaliação com análise estatística de 17 estudos (meta-análise) com pacientes com câncer de mama tratadas com dose padrão de quimioterapia por mais de 6 meses, mostrou que houve declínio cognitivo nas pacientes, primeiramente nos domínios das funções de habilidades verbal e viso-espacial. Memória, velocidade de processamento e função executiva parecem ser mais vulneráveis aos efeitos adversos da quimioterapia.
Testes para avaliar a função cognitiva
Embora não sejam utilizados na prática diária, mas sim em ambientes de pesquisa, alguns testes podem ser aplicados para avaliar aprendizado, memória, velocidade de processamento, e função executiva.
O “Trail Making Test” (TMT) tem propriedades psicométrias adequadas, não é dependente de linguagem e foi traduzido em diversas línguas; mede a velocidade psicomotora e aspectos da função executiva, que são frequentemente prejudicados no momento do diagnóstico do câncer. O teste de aprendizagem auditivo-verbal de Rey (RAVLT) mede memória recente, aprendizagem, suscetibilidade à interferência da retenção após outras atividades e memória de reconhecimento. Tem boa sensibilidade às deficiências de memória encontradas em vários grupos de pacientes, sendo útil para o diagnóstico diferencial nos distúrbios de memória.
Há ainda outros teste, como o “Hopkins Verbal Learning Test-Revised” (HVLT-R) e o “Controlled Oral Word Association” (COWA).
Como manejar o problema
Devido à etiologia do prejuízo cognitivo pós-quimioterapia não ser totalmente estabelecida, a identificação de possíveis fatores modificadores é desafiadora. As intervenções são focadas em estratégias comportamentais e abordagens com medicamentos.
A combinação de tratamentos comportamentais e farmacológicos podem resultar em melhora do funcionamento cognitivo e percepção de melhora na qualidade de vida em sobreviventes de câncer. Os tratamentos farmacológicos avaliados em pesquisas clínicas incluiram psicoestimulantes, epoetina-alfa e Ginko biloba. As estratégias não-farmacológicas avaliadas incluíram treinamento cognitivo e atividade física. Os estudos científicos realizados sugeriram que as estratégias não-medicamentosas parecem funcionar melhor em pacientes com câncer de mama. A educação dos pacientes e de seus companheiros também mostrou ajudar na melhora do estado afetivo, desenvolvendo estratégias para lidar melhor com a piora cognitiva das pacientes.
Daniela Dornelles Rosa, PhD
Médica Oncologista
Porto Alegre, RS
Cristina Martino da Silva
Médica Oncologista
Porto Alegre, RS
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