Conceitos sobre resistência à hormonioterapia
O câncer de mama é uma doença heterogênea, ou seja, que tem vários subtipos clínicos, histopatológicos e moleculares. Com o desenvolvimento da biologia molecular, o câncer de mama passou a ser classificado em luminal A, luminal B, HER-2 hiperexpresso e basal-like. Os tumores positivos para os receptores hormonais (RH+), que normalmente são pertencentes aos subtipos luminais representam cerca de 60-80% dos casos.
Quando o câncer de mama for metastático e tiver RH+, a terapia endócrina (ou hormonioterapia) pode ser considerada o tratamento de escolha quando não houver a necessidade de iniciar quimioterapia rapidamente (por exemplo, quando há risco da doença aumentar rapidamente em órgãos-alvo, tornando necessária uma resposta mais rápida ou quando há resistência conhecida ao tratamento hormonal). Quando o câncer de mama foi tratado com intenção de cura e apresentava RH+, a hormonioterapia também está indicada.
No entanto, devido a diferentes mecanismos de resistência, algumas pacientes com câncer de mama apresentarão recidiva (retorno do tumor), a despeito do adequado tratamento. A resistência à hormonioterapia no câncer de mama acontece porque os tumores malignos apresentam modificações no seu genoma (conjunto de genes que forma o tumor) durante o tratamento, com a aquisição de novas mutações (ou modificações), que podem causar resistência ao tratamento.
Os mecanismos de resistência à terapia endócrina são complexos, tem vários fatores e nem todos são conhecidos. A resistência pode ser primária ou secundária e essas definições dependem do cenário em que a hormonioterapia é feita:
– No cenário de cura: resistência primária ocorre quando o tumor volta durante o tratamento ou dentro dos dois primeiros anos após o término do tratamento; resistência secundária ocorre quando o tumor volta 2 ou mais anos após o término do tratamento;
– No cenário de controle da doença (doença metastática): resistência primária ocorre quando o tumor progride dentro dos primeiros seis meses de terapia endócrina; resistência secundária ocorre quando o tumor progride após seis meses de tratamento.
A instabilidade genômica (tendência crescente do genoma do tumor em adquirir mutações) cria o meio adequado para o surgimento de novas mutações, determinando o fenômeno da evolução clonal (processo de acúmulo de alterações genéticas ao longo do tempo, em células individuais, levando a efeitos na proliferação celular). Além disso, a exposição das células do tumor a diferentes tratamentos antineoplásicos (anti-câncer) faz com que haja uma seleção natural (darwiniana) de clones de células malignas mais resistentes ao tratamento. Este é o mecanismo pelo qual ocorre o desenvolvimento de resistência secundária às drogas.
Estudos avaliando alterações genômicas em tecidos de tumores metastáticos ou biópsias líquidas de doenças resistentes ao tratamento mostram que há uma complexa rede de vias metabólicas inter-relacionadas no processo de resistência à hormonioterapia (figura 1).
Figura 1: Interação entre as diversas vias associadas com mecanismos de resistência à terapia endócrina em câncer de mama.
Adaptado de: Ma CX, Reinert T, Chmielewska I, Ellis MJ. Mechanisms of aromatase inhibitor resistance. Nat Rev Cancer. 2015;15:261-75
Felizmente, os avanços científicos vêm sendo traduzidos no desenvolvimento de novas terapias-alvo que envolvem a modulação da resistência à terapia endócrina. Novos agentes terapêuticos vêm demonstrando eficácia em contornar tanto a resistência primária quanto a secundária, na prática clínica. Dentre essas novas drogas, destacam-se os inibidores de CDK4/6 (como palbociclib e ribociclib) e os inibidores de mTOR (como o everolimus). O papel de outras terapias-alvo está em fase de teste.
Tomás Reinert
Médico Oncologista
Porto Alegre, RS
Referências
1.Ma CX, Reinert T, Chmielewska I, Ellis MJ. Mechanisms of aromatase inhibitor resistance. Nat Rev Cancer. 2015;15:261-75
2.Polyak A. Heterogeneity in breast cancer. J Clin Invest 2011; 121: 3768-78.
3.Reinert T, Barrios CH. Overall survival and progression-free survival with endocrine therapy for hormone receptor positive, HER2-negative advanced breast cancer. Ther Adv Med Oncol 2017
4.Reinert T, Saad E, Barrios CH, Bines J. Clinical implications of ESR1 mutations in estrogen receptor positive advanced breast cancer. Front Oncol 2017; 7:26.
5.Rugo HS et al. Endocrine therapy for hormone receptor-positive metastatic breast cancer: ASCO guideline. J Clin Oncol 2016; 34: 3069-103.
6.Shah A, Cristofanilli M. The growing role of CDK4/6 inhibitors in treating hormone receptor-positive advanced breast cancer. Curr Treat Opt Oncol 2017; 18: 6.