Ressecamento vaginal no tratamento do câncer de mama
Atrofia e ressecamento vaginal durante e após o tratamento do câncer de mama
Atrofia: é um processo que consiste na redução de células de alguma parte do corpo devido à morte ou reabsorção celular e à diminuição da multiplicação celular. As causas são variadas, mas geralmente ocorre uma diminuição de nutrição (de “alimento”) para as células continuarem crescendo.
Atrofia vaginal: é quando o processo descrito acima ocorre nas células que revestem a vagina. A principal causa é a redução dos hormônios femininos, que ocorre na menopausa e também pode ocorrer após tratamento de alguns tipos de câncer (como câncer de mama e cânceres ginecológicos). A falta de estrogênio (principal hormônio feminino) leva à falta de nutrição das células da vagina, com redução da espessura (adelgaçamento) da mucosa vaginal, tornando-a mais frágil e irritável.
Sintomas mais frequentes de atrofia vaginal:
– diminuição da lubrificação vaginal;
– ressecamento da vagina;
– perda da elasticidade da vagina, com dor, desconforto ou ardor durante a relação sexual;
– ardência vaginal;
– perda urinária e infecção urinária de repetição.
Os sintomas acima são, em conjunto, conhecidos com síndrome genitourinária da menopausa (SGM). Causam impacto negativo sobre a qualidade de vida e a função sexual, agravando-se com o tempo e não melhorando sem tratamento. Pacientes com câncer de mama são tipicamente mais afetadas, por terem sua menopausa antecipada pelo tratamento oncológico (quimioterapia, por exemplo) ou porque precisam utilizar medicamentos bloqueadores de estrogênio (goserelina, leuprolide, tamoxifeno, letrozol, anastrozol, exemestano), diminuindo, portanto, a circulação desse hormônio responsável pela manutenção da funcionalidade do trato genital inferior (colo, vagina, vulva e períneo).
O tratamento dos sintomas em pacientes que tratam câncer de mama é particularmente difícil, uma vez que o uso da reposição hormonal na menopausa em forma de comprimidos não é adequado, já que esses tumores são considerados dependentes de estímulo do estrogênio.
Nesse contexto, o uso de dispositivos de energia como a radiofrequência e o laser aplicados na vagina e/ou na vulva, através de ponteiras ginecológicas (ver figura abaixo), são opções que devem ser discutidas para as pacientes com câncer de mama.
O aquecimento dos tecidos promove a ativação de fibroblastos (principais células envolvidas na cicatrização), a produção de colágeno e elastina (proteínas que mantêm a estrutura dos tecidos celulares) e o aumento do número de vasos sanguíneos das células vaginais, reduzindo os sintomas da SGM. Baseado nisso, a Sociedade Americana de Menopausa reconhece que a terapia com dispositivos à laser pode ser considerada opção segura em mulheres de alto risco (história pessoal ou familiar de câncer de mama e/ou ovário) ou também para as mulheres que não tiveram câncer, mas que preferem não usar terapia de reposição hormonal.
O protocolo para uso de radiofrequência e laser compreende 3 aplicações a cada 30 dias e, após, manutenção com uma sessão adicional a cada 6 a 12 meses. Mulheres em uso de bloqueadores hormonais, tais como tamoxifeno ou anastrozol, por exemplo, poderão ser mais resistentes à terapia e poderão ser necessárias 4 a 5 sessões iniciais.
Figura: Ponteira utilizada para aplicação da radiofrequência ou laser.
Recomendações da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) para o uso de dispositivos de energia (radiofrequência ou laser):
1 – O médico ginecologista deve ser o profissional autorizado a executá-la, porém ele necessita de treinamento especializado para a sua prática;
2 – Os equipamentos de primeira linha devem ser selecionados para esta nova modalidade de tratamento, devendo-se tomar cuidado com ofertas de equipamentos de baixo custo e cuja aprovação pelos órgãos regulatórios não esteja estabelecida;
3 – A técnica destes tratamentos deve ser padronizada, baseada nos estudos realizados de forma individualizada em cada equipamento. O manual do fabricante deve ser explicativo neste aspecto;
4 – Efeitos colaterais são passíveis de qualquer prática médica. Os trabalhos têm demonstrado e citado que o tratamento da atrofia vulvovaginal ou síndrome genitourinária da pós-menopausa com laser fracionado ou radiofrequência tem efeitos colaterais mínimos, com achados de mais benefícios do que prejuízo;
5 – A paciente selecionada deve ter quadro de atrofia genital confirmada, não sendo recomendada a utilização desta tecnologia com fins de “prevenção” ou “estética”;
6 – Esta modalidade de tratamento tem por objetivo a terapia funcional da atrofia; termos como cosmiatria, rejuvenescimento ou embelezamento devem ser abolidos, pois caracteriza uma falsa propaganda, induzindo a iatrogenias (qualquer alteração patológica provocada no paciente pela má prática médica) desnecessárias.
É importante lembrar que orientações sobre benefícios e riscos devem ser sempre oferecidas e discutidas com seu médico ginecologista.
Márcia Appel, PhD
Médica Ginecologista Oncológica
Porto Alegre, RS
Referências:
1) Athanasiou S, et al. Intravaginal energy-based devices and sexual health of female cancer survivors: a systematic review and meta-analysis. Lasers in Medical Science. DOI: 0.1007/s10103-019-02855-9.
2) Faubion S, et al Consensus recommendations – Management of genitourinary syndrome of menopause in women with or at high risk for breast cancer: consensus recommendations from The North American Menopause Society and The International Society for the Study of Women’s Sexual Health. Menopause 2018;25:596-608. DOI: 10.1097/GME.0000000000001121.
3) Gambacciani M, et al. Laser therapy for the restoration of vaginal function. Maturitas 2017;99:10-15. DOI: 10.1016/j.maturitas.2017.01.012.
4) Gaspar A, et al. Efficacy of Erbium: YAG laser treatment compared to topical estriol treatment for symptoms of genitourinary syndrome of menopause. Lasers Surg Med. 2017;49(2):160-8. DOI: 10.1002/lsm.22569.
5) Mendes MC e col. Síndrome genitourinária da menopausa (SGM). Revista Fêmina 2020;48(4):198-207.
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7) Posicionamento da FEBRASGO em relação ao uso de dispositivos de energia. Revista Fêmina 2018;46(5):294.