Açúcar causa câncer?
Você já deve ter ouvido falar que ingerir açúcar estimula as células de um câncer a crescerem e espalharem-se, então, consequentemente, o certo seria tirar completamente o açúcar da dieta, principalmente após ter o diagnóstico de câncer…! No entanto, você já parou para verificar de onde essa informação veio e quem a dissemina? Para quem não teve tempo de buscar as fontes, por favor, siga lendo esse texto!
Fizemos uma busca no google (www.google.com.br) com as palavras-chave “açúcar”, “câncer” e “risco” e encontramos 5.820.000 resultados; quando utilizamos as mesmas palavras em inglês (www.google.com), “sugar”, “cancer” e “risk”, encontramos 86.700.000 resultados, o que torna muito difícil, para o leitor, filtrar informações!
Então, vamos colocar um pouco de ciência nessa história de açúcar e risco de câncer!
De onde saiu a associação entre açúcar e câncer?
A idéia de que reduzir a ingestão de açúcar (com dietas cetogências, por exemplo) poderia levar as células malignas a “passarem fome” e morrerem veio lá pelo ano de 1920, quando o fisiologista e bioquímico alemão Otto Heinrich Warburg descreveu o “Efeito de Warburg”: células malignas gerariam energia para continuarem vivendo através de um processo chamado glicólise anaeróbia (que é um processo anaeróbio, ou seja, sem a presença de oxigênio, que ocasiona a degradação da glicose e diminui suas quantidades no sangue), ao contrário das células normais, que gerariam energia através da fosforilação oxidativa (obtenção de energia com o uso de oxigênio, sem alterar a glicose do sangue). Até hoje, as discussões a respeito dessa teoria continuam a ocorrer e não está claro se os açúcares provenientes da dieta estão envolvidos no risco de desenvolver diferentes tipos de câncer.
Por quê é difícil estudar esse assunto?
– porque os estudos feitos em pessoas são, geralmente, observacionais e levam muitos anos para gerarem resultados; ao longo desses anos, as pessoas podem ter sido expostas a outros fatores que aumentam a chance de ter diferentes tipos de câncer;
– além disso, estudos que são feitos em laboratórios, usando células ou animais (como ratos, por exemplo) podem não corresponder ao que ocorre no organismo de seres humanos;
– alta ingestão de açúcar pode desregular a secreção de insulina e os níveis de glicose no sangue, pode causar inflamação e estresse oxidativo das células (excesso de radicais livres no sangue, que são originados pelos elétrons livres das moléculas de oxigênio; quando em excesso, podem ser prejudiciais ao organismo) e também acúmulo de gordura no corpo – os estudos não avaliam, isoladamente, cada um desses fatores, quando se fala de risco de desenvolver câncer.
De qualquer maneira, o único jeito de avaliar a questão da ingestão do açúcar como fator de risco para causar câncer (ou “alimentar” células malignas) é através da análise dos diversos estudos já realizados em seres humanos, lembrando das limitações citadas acima, que prejudicam a interpretação dos resultados de tais estudos.
Uma revisão sistemática avaliou 37 estudos sobre o papel dos açúcares da dieta no risco de desenvolver câncer; de 14 estudos que avaliaram a frutose, 8 mostraram ausência de risco, 2 mostraram que o açúcar protegeu contra câncer e 4 sugeriram que a ingestão de frutose aumentou o risco de câncer. Dos demais estudos que avaliaram a adição de açúcar (tanto alimentos sólidos como bebidas açucaradas), metade mostrou risco aumentado de desenvolver câncer nas pessoas que adicionavam muito açúcar na alimentação. A outra metade não demostrou qualquer risco aumentado. Uma grande limitação dos estudos avaliados nessa revisão sistemática foi que a maioria deles baseou-se em questionários de frequência alimentar que as pessoas preenchiam apenas uma vez, sendo assumindo que a alimentação nunca mais mudava, o que provavelmente não é o mais correto de afirmar.
Uma publicação da Sociedade de Nutrição da Alemanha avaliou o risco da ingestão de açúcares como causa de diversas doenças; de todos os estudos analisados, 40 eram em pacientes com câncer. Os estudos mostraram que:
– alto consumo de bebidas açucaradas aumentou o risco de obesidade e diabete mélito do tipo II;
– alto consumo de fibras reduziu o risco de obesidade, diabete mélito do tipo II, dislipidemia, doença cardiovascular e câncer colorretal;
– a qualidade do carboidrato ingerido parece mais importante do que a quantidade do mesmo.
Até o momento, as evidências científicas mostram com clareza que o aumento da gordura corporal (sobrepeso e obesidade) está associado ao aumento no risco de desenvolver diversos tipos de câncer. Desta forma, as principais recomendações para prevenir câncer são:
– manter o peso corporal dentro do índice de massa corporal adequado para a altura de cada pessoa;
– fazer exercícios físicos;
– evitar alimentos tipo fast food.
Um aumento de 5kg/m2 no índice de massa corporal leva a um maior risco de vários tipos de câncer, tanto em mulheres quanto em homens. Mulheres pós-menopáusicas com sobrepeso e obesidade possuem aumento de 12% e 25%, respectivamente, no risco de câncer de mama. A obesidade também está associada a maior risco de recorrência (retorno) do câncer de mama já tratado, bem como de morte por câncer de mama. Mulheres que ganham peso após o tratamento do câncer de mama também podem ter maior risco de recorrência da doença.
Em conclusão, até o momento, para reduzir o risco de câncer, o recomendado é adotar um estilo de vida saudável com controle do peso corporal, evitando o sobrepeso e a obesidade.
Daniela Dornelles Rosa
Médica Oncologista, PhD
Pós-doutora pela CAPES em Manchester, Inglaterra
Porto Alegre, RS
Referências
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